APRESENTAÇÃO
Os primeiros cristãos
deixaram-nos não só testemunho da Fé que professamos, como também o
registro dos eventos que sucederam no
caminhar da Igreja nesta terra.
Sobre estes eventos muitos se falou a
respeito do surgimento e do combate às
heresias antigas, a realização dos Concílios (provinciais, regionais e
ecumênicos), o amadurecimento teológico sobre as mais diversas questões
doutrinárias (eclesiologia, cristologia, os sacramentos, escatologia etc); mas
pouco se sabe sobre como que a lista dos livros sagrados surgiu, e o que
conseqüentemente deu a origem à Bíblia Sagrada.
Assim como a atual cristologia e a fé na
Santíssima Trindade, o discernimento da lista dos livros sagrados também
foi resultado de um longo e gradativo
processo de amadurecimento teológico e espiritual sob a condução do Espírito
Santo.
Seguindo o exemplo de São Lucas, “depois
de haver diligentemente investigado tudo desde o princípio”, é com muita
alegria em Cristo Jesus que apresento ao prezado leitor a historia do “índice”
da Sagrada Escritura, ou pra ser mais exato, do natal da Bíblia.
INTRODUÇÃO
A palavra “cânon” vem do
grego kanóni e significa “régua” ou
“cana [de medir]”. A cana era usada pelos antigos como instrumento de
medição. Desta forma, os cânones em sentido religioso são as réguas que devem
ser usadas para medir a vida. Isto é, guiar o fiel em sua vida religiosa.
O Cânon Bíblico é a lista dos livros
sagrados que compõe a Bíblia Cristã. Esta lista também é chamada de lista
canônica ou lista dos livros canônicos (=livros autorizados).
A Palavra “Bíblia” vem do grego “biblos”
que significa biblioteca. Assim, a Bíblia é uma “biblioteca”, porque é composta
por um conjunto de livros que os cristãos crêem serem inspirados por Deus.
A redação dos livros
sagrados começou por volta do séc. XV AC. E somente se encerrou no final do
séc. I d.C.
Ao contrário do que muitos pensam a
Bíblia Cristã organizada como um único livros, não foi assim entregue pelos
Apóstolos.
Antes que fosse possível reunir os livros
sagrados em um único volume, foi necessário saber quais eram esses livros.
A Sagrada Escritura em nenhum lugar
define a sua lista de livros sagrados; o índice por si mesmo também não é um
“rol” inspirado, mas uma criação humana visando facilitar a localização dos
diverso livros sagrados existentes nessa “biblioteca” chamada Bíblia. Embora,
alguns pesquisadores defendam a existência de um cânon bíblico judeu, já fixado
depois do tempo do profeta Esdras, não havia nos primeiros séculos da Era
Cristã um consenso sobre quais livros de tradição hebraica deveriam ser
considerados canônico (AT).
Desta forma, nos primeiros séculos,
alguns livros eram aceitos por toda a Igreja, enquanto outros tinham sua
inspiração contestada ou posta em dúvida. Por esta razão, alguns livros que
hoje se encontram na Bíblia, só foram considerados canônicos mais tarde.
Considerando tudo isto, os livros canônicos que compõe a Sagrada Escritura
Cristã são classificados quanto ao reconhecimento de sua canonicidade como:
protocanônicos e deuteronocanônicos.
Os protocanônicos (proto=primeiro, canônicos=autorizados)
são aqueles que jamais tiveram sua canonicidade contestada, isto é, são aqueles
que sempre foram considerados inspirados pó Deus. Os deuterocanônicos
(deutero=depois, canônicos=autorizado) são aqueles que foram considerados
canônicos mais tarde, pelo fato de ter havido inicialmente alguma dúvida quanto
à sua inspiração e conseqüente canonicidade. Há ainda aqueles que inicialmente
foram considerados canônicos e posteriormente não, incrementando assim o
conjunto dos livros “apócrifos”.
Existem livros protocanônicos e
deuterocanônicos tanto pra o AT quanto
para NT. Normalmente são relacionados como deuterocanônicos do AT: Tobias,
Judite, Sabedoria, Sabedoria de Sirac (ou Sirácida) ou Eclesiástico, Baruc (
Baruque), 1 e 2 Macabeus. Como veremos mais adiante, a inclusão do livro de
Baruc neste conjunto parece ser equivocada, da mesma como também equivocada a
não inclusão do livro de Ester.
Também são deuterocanônicos do AT os
acréscimos no livro de Ester (10,4 a 16,24) e no livro de Daniel (“O Cântico
dos três jovens” correspondendo aos versículos 24 a 90 do capítulo 3; “História
de Susana” e “Bel e o Dragão” correspondendo respectivamente os capítulos 13 e
14).
Do NT são deuterocanônicos: 2Pedro, 2 e 3
João, Tiago, Judas, Hebreus e o Apocalipse.
Não é escopo deste trabalho um estudo
detalhado acerca das traduções e manuscritos bíblicos. No entanto este assunto
será abordado na devida proporção no que concerne ao estabelecimento do Cânon
Bíblico Cristão.
CAPÍTULO 1
QUAL É O
CONJUNTO DOS LIVROS CANÔNICOS?
Algumas pessoas acreditam que
é possível saber o conjunto dos livros canônicos, simplesmente porque a sua
inspiração divina é evidente. Este conceito além de ser bastante subjetivo, depende
também de conceitos e critérios de verificação ainda mais subjetivos. Por
exemplo: quais atributos definem se um livro é inspirado ou não? Quais são os
critérios de avaliação e verificação destes mesmos atributos? As opiniões seria
tão múltiplas quanto são as estrelas de céu.
De fato, nenhum autor dos livros do NT
diz ter escrito sob o impulso do Espírito Santo, exceto São João, ao escrever o
Apocalipse.
Ademais, ainda que cada livros da Bíblia
começasse com frase: “Este livro é inspirado por Deus”, semelhante frase não
provaria nada. Ora, o Alcorão diz ser inspirado, assim como o Livro do Mórmon e
vários livros de religiões orientais. Ainda, os livros de Mary Baker Eddy (a
fundadora da Ciência Cristã) e de Ellen G. White ( Fundadora do Adventismo do
Sétimo Dia) se proclamam inspirados e muitos cristãos os rejeitam como tal.
Pode-se concluir então, que o fato de um escrito atribuir a si qualidades de
inspiração divina não quer dizer que assim o seja na realidade.
Diante destes argumentos, alguns recuam e
afirmam que “o Espírito Santo nos diz claramente que a Bíblia é inspirada”, uma
noção bastante subjetiva, que também pode ser usada por hindu, mulçumano ou
espírita, para afirmar que os Deuses, Alah ou os Espíritos, respectivamente
lhes convencem que sua escritura é divina.
Este mesmo exemplo se aplica ainda
àqueles que afirmam que a inspiração divina de um livro pode ser verificada
pela inspiração que causa no crente. Argumento conhecido como “È inspirado
porque inspira”, Ora, note que há muitos escritos religiosos antigos que
certamente são muito mais “inspirados” ou “emotivos” do que muitos testos e até
livros inteiros do AT. Veja, por exemplo, o livro de Números no AT. Será que
com este critério é possível afirmar que o livro de Números é inspirados? No
entanto, ele está presente em todas as Bíblias Cristãs.
Portanto, a fixação de um cânon bíblico, não está sujeita às opiniões
alheias, fundamentadas em conceitos e métodos de verificação totalmente
subjetivos e duvidosos.
Alguns ainda acreditam que através dos livros
consensualmente considerados canônicos (protocanônicos) é possível identificar
dos demais. Esta proposta pode nos fornecer pistas importantes, mas
infelizmente não é suficiente. Por exemplo, em Lucas 24,27.47 e João 10,34,
aparecem as expressões “Moisés e os Profetas”, “Lei e os Profetas”, “Lei e os
Profetas”, Lei Profetas e Salmos”, todas elas relacionadas ao conceito de
Escritura Sagrada.
A expressão “Profetas” abrangeria quais
livros? Datados da mesma época dos profetas existe uma infinidade de outros
livros cuja autoria é atribuída aos antigos profetas do AT, no entanto, hoje
não são considerados canônicos. Assim como existem outros cuja autoria profética ainda é duvidosa e são
considerados canônicos por todos os cristãos. O mesmo se aplica aos Salmos.
Existe um escrito chamado Salmo 151, considerado canônico apenas pela Igreja
Ortodoxa. O que dizer de livros como Provérbios, Eclesiastes, Ester, Rute, 1 e
2 Samuel, 1 e 2 Reis e Josué? Fariam parte de qual grupo? Lei, Profetas ou
Salmos? Ou estariam em um outro grupo cuja menção não se encontra em qualquer
um dos livros protocanônicos?
Ainda, o AT faz referência a pelo menos 21 livros que hoje são
considerados apócrifos (HAMMER, 2006). O mesmo acontece com o NT que menciona a
“Ascensão de Moisés” (cf. Jd 1,9) e “O Livro de Henoc” (cf. Jd. Jd 1,14)
Pelas questões já aqui apresentadas e
pelo fato da Bíblia não definir o seu conjunto de livros sagrados, o
discernimento do Cânon Bíblico depende de algo que é exterior aos livros
sagrados. Isto significa que a Bíblia não se forma por si mesma a nem se
autoriza por própria. A sua legitimidade depende de algo que lhe é exterior.
Por exemplo, o Pentateuco sempre foi considerado canônico pelos judeus, não por
si mesmos, mas porque tinham origem na Tradição judaica e em Moisés que tinha
autoridade de seu legítimo Magistério (cf. Ex 18,13-14; Mt 19,-8). Um outro
exemplo são os escritos dos profetas. A autoridade destes livros não tinha
origem em si mesmos, mas no anúncio dos profetas (Tradição), ou porque sua
autoria é atribuída a homens que eram legitimamente autorizados por Deus
(Magistério).
Desta forma, atribuição de autoridade
divina a um livro, isto é, a definição de usa canonicidade sempre dependeu da
autoridade de algo que é exterior ao livro? a Tradição que lhe deu origem (e
que por tanto lhe é anterior) e o Magistério legitimamente estabelecido por
Deus, reconhecido como seu legítimo guardião e difusor. Esta antiga e divina
relação não se aplica somente ao Cânon Bíblico. Alguns dos livros bíblicos não
trazem o nome do autor (por exemplo, o Pentateuco e os 4 Evangelhos). A
atribuição da autoria de muitos livros canônicos também dependeu da Tradição e
do Magistério divinos.
Vejamos como o Senhor se utilizou destes
dois instrumentos para nos comunicar o que hoje conhecemos como a Bíblia.
CAPÍTULO 2
A
Septuaginta ou Versão dos Setenta (LXX)
Durante o reinado de Nabucodonosor (Foi Rei
da Babilônia no Séc. VI AC.), as Escrituras Sagradas hebraicas foram perdidas,
por ocasião do cativeiro imposto ao povo Judeu, que em aproximadamente 587 a.C.
foi deportado de Jerusalém para a Babilônia. As Escrituras foram novamente
constituídas no tempo do Profeta Esdras, durante o reinado de Artaxerxes (cf.
Esd 9,38-41).
O conjunto de manuscritos hebraicos mais
antigos que chegaram até nosso tempo, é conhecido como Texto Massorético. Nesta
compilação das Escrituras, o texto foi transcrito com a omissão das vogais. Com
origem no séc VI, o Texto Massorético possui este nome por ter sido
desenvolvido por um grupo de judeus conhecidos como Massoretas; que deste então
se tornaram os responsáveis em conservar e transmitir o texto bíblico hebraico.
Bem anterior ao Texto Massorético, se
conservou até nosso tempo, a versão Grega das Escrituras Hebraicas conhecida
como Septuaginta ou Versão dos Setenta (LXX). Vertida, aproximadamente no séc.
III a.C. para grego a partir dos mais antigos manuscritos hebraicos (hoje não
mais disponíveis), o valor histórico da Septuaginta é inestimável e de profunda
importância para a identificação do Cânon Bíblico Cristão.
Origem da
Septuaginta
Ptolomeu II Filadelfo (287-247 a.C), rei do
Egito, encomendou especialmente para sua Biblioteca em Alexandria (Fundada por
Alexandre, o Grande tornou-se o grande centro cultural e comercial do império
helênico.), uma tradução grega das escrituras sagradas dos judeus. Esta foi a
primeira tradução feita dos livros hebraicos para uma outra língua. A tradução
do hebraico para o grego, segundo a tradição, foi feita por 72 escribas durante
72 dias, por isso possui o nome Septuaginta que significa “Tradução dos
Setenta”.
A primeira menção à versa da Septuaginta
encontra-se em um escrito chamado “Carta de Aristéias”, Segundo esta carta,
Ptolomeu II Filadelfo tinha estabelecido recentemente uma valiosa biblioteca em
Alexandria. Ele foi persuadido por Demétrio de Fálaro (responsável pela
biblioteca) a enriquecê-la com uma cópia dos livros sagrados dos judeus. Para
conquistar as boas graças deste povo, Ptolomeu, por conselho de Aristéias
(oficial da guarda real, egípcio de nascimento e pagão por religião) emancipou
100 mil escravos, de diversas regiões de seu reino. Então, enviaram
representantes (entre os quais Aristéias) a Jerusalém e pediu a Eliazar ( o
Sumo Sacerdote dos Judeus) para que fornecesse uma cópia da Lei e judeus
capazes de traduzi-la para o grego. A embaixada obteve sucesso: uma cópia da
Lei ricamente ornamentada foi enviada para o Egito, acompanhada por 72 peritos
no hebraico e no grego (seis de cada Tribo) (Por ordem divina o povo de
Israel foi classificado em 12 Tribos,
cada uma tendo origem em dos filhos do Patriarca Jacó (cf. Gn 49) para atender
o desejo do rei. Estes foram recebidos com grande honra e durante sete dias
surpreenderam a todos pela sabedoria que possuíam, demonstrada em respostas que
deram a 72 questões; então, eles foram levados para a isolada ilha de Faros e
ali iniciaram os seus trabalhos, traduzindo a Lei, ajudando uns aos outros e
comparando as traduções conforme iam terminando.
Ao final de 72
dias, a tarefa estava concluída. A tradução foi lida na presença de sacerdotes
judeus, príncipes e povo, reunidos em Alexandria; a tradução foi reconhecida
por todos e declarada em perfeita conformidade com o original hebraico. O rei
ficou profundamente satisfeito com a obra e a depositou na sua biblioteca.
Comumente se acredita, que a Carta de
Aristéias foi escrita por volta de 200 a.C., 50 anos após a morte do Rei
Filadelfo.
Não há ainda entre os estudiosos um consenso
sobre a origem e autenticidade desta carta. Embora a grande maioria considere
seu conteúdo fantasioso e lendário, questiona-se se não há algum fundamento
histórico disfarçado sob os detalhes lendários. Por exemplo, hoje se sabe com
certeza que o Pentateuco foi mesmo traduzido em Alexandria.
Difusão e revisões
Pelo fato de serem pouquíssimos os Judeus que ainda possuíam conhecimento
da língua hebraica, principalmente após o domínio helenista (entre os
séculos IV e I a.C.) onde o koiné (grego popular) era o idioma falado, a
Septuaginta foi bem acolhida, principalmente pelos judeus alexandrinos que
foram os seus principais difusores, pelas nações onde o grego era falado.
A Septuaginta foi usada por diferentes escritores e suplantou os
manuscritos hebraicos na vida religiosa (JAEGER, 1991).
Em razão de sua grande difusão no mundo helênico
(tanto entre judeus, filósofos gregos e cristãos), as cópias da
Septuaginta passaram a se multiplicar, dando origem a variações
contextuais.
Orígenes (4), motivado pela necessidade de restaurar o
texto à sua condição original, dá origem à sua revisão que ficou
registrada em sua famosa obra, conhecida como Hexápla.
Luciano,
sacerdote de Antioquia e mártir, no início de séc. IV publicou uma edição
corrigida de acordo com o hebraico; tal edição reteve o nome de koiné, edição
vulgar, e , às vezes, é chamada de Loukianos, após o nome de seu autor.
Finalmente,
Hesíqui, um bispo egípcio, publicou, quase que ao mesmo tempo, uma nova
revisão, difundida principalmente no Egito.
Os Manuscritos
Os três
manuscritos mais conhecidos da Septuaginta são: o Vaticano (codex Vaticanus),
do séc. IV; o Alexandrino (Codex Alexandrinus), do séc. V, atualmente no Museu
Britânico de Londres; e do Monte Sinai (Codex Sinalticus), do séc. IV,
descoberto por Tischendorf no convento de Santa Catarina, no Monte Sinai, em
1844 e 1849, sendo que parte se encontra em Leipzig e parte em São Petersburgo.
Todos foram
escritos em unciais (letras Maiúsculas), O Codex Vaticanus é considerado o mais
fiel dos três; é geralmente tido como o texto mais antigo, embora o Codex
Alexandrinus carregue consigo o texto da Hexapla e tenha sido alterado segundo
o Texto Massorético. O Codex Vaticanus é referido pela letra B; o Codex
Alexandrinus, pela letra A; e o Codex Sinaiticus, pela primeira letra do
alfabeto hebraico (Aleph) ou S.
Os livros que estão
presentes na Septuaginta
Os livros que estão presentes na Septuaginta, conforme a ordem original:
Gênesis, Êxodo, Levitico, Números, Deuteronômio, Josué, Juízes, Rute, 1 Samuel
(1Reis), 2 Samuel (2 Reis), 1 Reis (3 Reis), 2 Reis (4 Reis), 1 Crônicas (1
Paralipômenos), 2 Crônicas (2 Paralipômenos), 1 Esdras, 2 Esdras (Esdras e
Neemias), Ester, Judite, Tobias, 1 Macabeus, 2 Macabeus, 3 Macabeus, 4
Macabeus, Salmos, Odes, Provérbios, Eclesiastes, Cântico dos Cânticos, Job,
Sabedoria, Eclesiático (Sirac), Salmos de Salomão, Oséias, Amós, Miquéias,
Joel, Obadias, Jonas, Naum, Habacuque, Sofonias, Ageu, Zacarias, Malaquias,
Isaías, Jeremias, Lamentações, Baruque, Epistola de Jeremias, Ezequiel, Suzana,
(“Historia de Suzane” que consta como apêndice no livro de Daniel nas Bíblias Católicas
e Ortodoxas), Daniel, Bel e o Dragão (SOCIEDADE BIBLICA DO BRASIL, 2003,
Xii-Xiii).
É importante notar que o conjunto de livros da Septuaginta é bem maior
do que qualquer versão do AT disponível nas Bíblias Católicas, Ortodoxa e
Protestante. O que isto necessariamente significa? Será que o catálogo da LXX
corresponderia a um cânon bíblico conhecido e utilizado pelos antigos Judeus?
Jesus e os Apóstolos utilizaram este catálogo mais amplo de Escrituras
Sagradas?
CAPÍTULO
3
As Escrituras Sagradas
Utilizadas no tempo de Jesus
Comumente é veiculada a informação
(principalmente em sítio na Internet e livros, ambos de origem protestantes) de
que Jesus e os Apóstolos não utilizaram a versão grega da Septuaginta, mas que
manusearam as Escrituras do AT em manuscritos disponíveis em hebraico (O
Protestantismo de forma geral crê que o cânon hebreu já estava definido antes
de Cristo e que corresponde à atual Bíblia Hebraica. Esse assunto será abordado
no Cap 4). Isto se deve basicamente, ao fato
Septuaginta possuir livros que são considerados apócrifos pelas confissões
protestantes. Desta forma, a tese propõe que Jesus e os Apóstolos não
manusearam essa versão grega das Escrituras.
Os cristãos crêem que Jesus foi concebido
pelo Espírito Santo no ventre da Virgem Maria. A referência mais conhecida à
doutrina da concepção virginal de Maria está em Mateus 1,18-23.
Mateus, após
relatar que a Mãe do Senhor concebeu por obra do Espírito Santo, antes de
coabitar com José, e que então, um anjo do Senhor apareceu a José em sonhos
para informar que este não deveria recusá-la como sua esposa, pois o filho que
ele concebeu era obra do Espírito Santo (cf. versículos 18 a 21), nos versículo
22 e 23, escreve:
“Tudo isto aconteceu para que se cumprisse o
que o Senhor falou pelo profeta. Eis que a Virgem conceberá e dará à luz um
filho, que chamará Emanuel, que significa: Deus conosco”.
Mateus transcreve aqui Isaías
7,14. Conforme podemos observar, a tradução em língua portuguesa apresenta a
expressão “eis que uma virgem conceberá”.
Alguns cristãos defendem a tese de
que Mateus citava Isaías 7,14 conforme a versão da Septuaginta. Como defesa,
afirmam que na versão em hebraico, o adjetivo aplicado àquela que conceberá é almah, que significa jovem, pois o
adjetivo mais apropriado para virgem seria b´tulah;
enquanto que na Septuaginta, o versículo apresenta o adjetivo grego parthenos, que significa virgem.
Embora seja possível, o adjetivo almah significar “virgem”, enquanto que b´tulah também pode significar “mulher
casada” (cf Joel 1:8). Por exemplo, “
almah” aparece pelo menos sete vezes no AT: Gn 24,43; Ex 2,8; Sl 68,25; Pr
30,19; Ct 1,3; 6,8 e Is 7:14. Em todas as primeiras seis referências tem o
sentido de virgem ou mulher solteira (que era virgem). Aliás, em Ct 6,8, o
sentido de virgem é bastante claro: fala sobre 3 classes de mulheres: as
rainhas, as concubinas e as chamada “b´tulah
[virgem em hebraico] a quem varão não havia conhecido” em Gênesis 24,16, é
chamada no mesmo capítulo de almah.
Há
citações da Septuaginta no NT?
Vários
estudos atestam que os Apóstolos e Evangelistas usaram a Septuaginta, “pois, como se sabe, muitas citações (e
alusões) do Antigo Testamento no Novo Testamento procedem diretamente da
clássica versão grega” (SOCIDADE BÍBLICA DO BRASIL, 2003 i). Das 350 citações
que o NT faz do AT, pelo menos 300 provêm da versão grega (BIBLIA, 1974, iii;
BIBLEREARCH, 2006).
Temos provas de que o Senhor Jesus usou a
Septuaginta.
Em
Sua resposta ao diabo em Mt 4,4 Ele disse:
“Está
escrito: Não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que precede da boca de
Deus”.
O Senhor referiu-se a Deuteronômio 8,3,
onde não versão hebraica a expressão usada é “da boca do Senhor” enquanto a Septuaginta traz “da boca de Deus”.
Nos capítulos 6 e 7 do Livro dos Atos dos
Apóstolos, lemos que Estevão foi levado ao Sinédrio (Conselho nacional que no tempo de
Jesus tinha autoridade entre os judeus para julgar casos religiosos ou civis.
Jesus condenado primeiramente pelo Sinédrio e depois levado a Pôncio Pilatos.) pela
multidão (cf At 6,12). Dirigindo-se a seus acusadores, conta-lhes como Jacó
trouxe seu 75 descendentes para o Egito (cf At 7,14-15).
Porém os
textos hebraicos dizem que Jacó trouxe 70 descendentes para o Egito (cf Gn
46,26-27; Dt 10,22 e Ex 1,5). O Sinédrio conhecia bem a proibição divina de
acrescentar ou retirar algo dos livros sagrados (cf Dt4,2; 12,32; SI 12,6-7 e
Prov. 30,6), mas não ousou acusar Estevão de estar pervertendo as Escrituras,
ordenando matá-lo porque foi contraditado na defesa de Cristo.
A solução
deste caso é muito simples. Estevão citava Gn 46,26-27 a partir da Septuaginta,
que possui cinco nomes a mais que o Texto Massorético hebraico. Os cinco nomes
que faltam na versão hebraica foram preservados na Septuaginta em Gn 46,20,
onde Makir, filho de Manassés, e Makir, filho de Galaad (=Gilead, no hebraico),
são apontados, posteriormente, como os dois filhos de Efraim, Taam (=Tahan, no
hebraico) e Sutalaam (= Shuthelah, no hebraico) e seu filho Edon (=Eran, no
hebraico).
Outro exemplo é nome de um deus pagão
citado por Estevão em At 7,43. Estevão citou-o como Renfã. Esta citação é de
Amós 5,26. No texto hebraico o nome de deus é Quijum. Estevão citou a versão da
Septuaginta que traz Renfã e não Quijum do texto hebraico.
Isto significa que o uso da versão da
Septuaginta era também comum entre os judeus de Alexandria aceitavam esta
versão.
Pelo fato da Septuaginta ter sido
amplamente usada pelos apóstolos e presbíteros da primitiva Igreja, a Tradição
Cristã conferiu-lhe lugar especial (SOCIEDADE BÍBLICA DO BRASIL, 2003, v)
As descobertas do Mar Morto
Partes da Septuaginta foram encontradas
na Judéia, entre os manuscritos do Mar Morto, descobertos em Qmran, sendo
anteriores ao ano 70 d.C. alguns exemplares foram encontrados na caverna 4
(119LXXLev.; 120papLXXLev,; 121
LXXNum.; 122LXXDeut.) um texto
não identificado da Septuaginta grega encontrado na caverna 9 (Q9), e existe um
fragmento de papiro, escrito em grego, encontrado na caverna 7 (LXXExod.) A caverna 7 produziu ainda
muitos pequeno fragmentos em grego (da Septuaginta), cujas identificações
permanecem em discussão ou sem classificação.
O Dr. Emanuel Tov sugere as seguintes identificações
para alguns destes fragmentos gregos do primeiro século antes de Cristo:
7Q4. Números 14,23-24
7Q5. Êxodo 36,10-11; Números 22,38;
7Q6. 1 Salmo 34,28; Provérbios 7,12-13
7Q6. 2 Isaías 18,2
7Q. Zacarias 8,8; Isaías 1,29-30; Salmo
18,14-15; Daniel 2,43; Eclesiastes 6,3.
Entre estes fragmentos constam ainda
trechos dos livros deuterocanônicos do AT:
§ Em
grego foram encontrados fragmentos de: 4Q478 [Tobias], 4Q383, 7QLXXEpJer.
[Epístola de Jeremias];
§ Em
hebraico foram encontrados: uma cópia do livro de Eclesiástico [manuscrito
2QSir.], “A Historia de Suzana” (correspondente ao capítulo 13 do livro de
Daniel [manuscrito 4Q551] e fragmentos do livro de Tobias [manuscrito 4Q200].
§ Em
aramaico foi encontrado um fragmento do livro de Tobias [manuscrito 4Q196-9]
Uma cópia do livro do Eclesiástico, em hebraico,
foi encontrada nas ruínas de Masada e é datada como do início do século I a.C.
Estas evidências mostram que os livros
deuterocanônicos eram conhecidos e manuseados pelos Judeus da Palestina.
Alguém poderia objetar afirmando que tais
descobertas correspondem à literatura usada Ebionitas (seita de Qumran), um
grupo estranho ao ramo principal do Judaísmo. Não é desta forma que pensam os
especialistas:
“Tanto no judaísmo moderno quanto no
cristianismo, uma ‘seita’ é, geralmente, um ramo de um tronco religioso maior e
é freqüentemente vista como excêntrica ou desviada nas suas crenças.
Mas os pesquisadores e leigos
deveriam recordar que durante todo o período de existência de Qumran, os
fariseus e os saduceus eram ‘seitas’, assim como eram os essênios! Foi apenas a
partir do século II d.C. que passou a se formar um tipo de judaísmo ‘ aquele
dos fariseus, dos rabis ‘ que veio a se tornar padrão para o povo judeu como um
todo. Tais matérias são de menor importância se comparadas com os manuscritos
bíblicos. Primeiro, porque todos os pesquisadores concordam que nenhum dos
textos bíblicos (tais como Gênese ou Isaías) foi composto em Qumran; ao
contrário, todos eles se originaram antes do período de Qumran. Também é aceito
que muitos ou a maioria desses manuscritos foram trazidos de fora para Qumran
e, depois, aí reproduzidos. Isto significa que os valores da maioria dos
manuscritos bíblicos enganam, não em estabelecer precisamente onde foram
escritos ou copiados, mas especificamente quando ao estudo das formas textuais
que encerram (ABEGG,1999).(fragmento traduzido
por Carlos Martins Nabeto.)
Não é possível afirmar que todo conjunto
de livros da Septuaginta foi considerado sagrado pelos judeus alexandrinos,
judeus palestinenses ou por Jesus e seus Apóstolos. Só podemos afirmar que era
conhecido por todos eles por constar na versão bíblica por eles usada.
O tempo levará a sinagoga e a Igreja a
escolherem alguns livros da Septuaginta como canônicos e a rejeitarem outros.
Nesta decisão a sinagoga saiu na frente. Vejamos no próximo capítulo como isto
aconteceu.
CAPÍTULO
4
O
Cânon de Jâmnia
No tempo do Imperador
Romano Nero, desencadeou-se a primeira revolta aberta dos judeus da Palestina
contra Roma (66-70). Tito, na primavera de 70, sitiou Jerusalém, a cidade
inteira foi saqueada, arrasada e o Templo foi destruído no dia 10 do mês de
agosto do mesmo ano. Os fariseus de Jerusalém (16) se transferiram para a
cidade de Jâmnia, onde formaram próspera escola rabínica. Aproximadamente no
ano 90, este grupo de rabinos define uma lista dos livros que deveriam ser
considerados sagrados pelos Judeus. O Cânon de Jâmnia (como ficou conhecida
esta lista) deu origem à atual Bíblia Hebraica. O Cânon de Jâmnia excluiu os
sete livros deuterocanônicos [do AT] e os acréscimos de Daniel e Ester.
Um cânon sagrado
pré-existente?
Alguns afirmam que o Cânon de Jâmnia foi
a confirmação de um Cânon Sagrado anterior e definido pela autêntica Tradição
judaica.
Segundo
esta tese, o fato de Jesus e os Apóstolos se referirem às Escrituras Sagradas
disponíveis em seu tempo de forma geral (“Escrituras”), mostra que eles tinham
em mente uma quantidade precisa de livros que estavam incluídos sob aqueles
títulos gerais.
Apresenta-se
como prova o registro do Evangelista Lucas ao diálogo entre Jesus e os
discípulos na estrada de Emaús: ‘E começando por Moisés e por todos os
profetas, explicava-lhes o que dele se achava em todas as Escrituras.”(Lc
24,27). A expressão “todas as Escrituras” demonstraria que já no tempo de
Cristo, uma lista de livros canônicos já estava fixada.
Cita-se
ainda João 5,39, quando Jesus manda os Fariseus, que eram os legítimos
intérpretes da Lei (cf. Mt 23,1), verificarem que Nele se cumpriram todas as
profecias messiânicas. Jesus ao utilizar a expressão “Escrituras” estaria se
referindo a um conjunto de livros bem conhecido, tanto por Ele quanto pelos
Fariseus.
Chama-se
ainda a atenção à expressão “Moisés e os Profetas” (cf. Lc 24,27). “Moisés e os
Profetas” ou “A Lei e os Profetas” seria a estrutura de como este cânon judeu
estaria organizado, sendo que na seção “Lei”, estariam contidos também os
Salmos (cf. João 10,34). Assim, se quer defender a existência de um cânon
bíblico, organizado em uma tríplice estrutura: a Lei, os Profetas e os Salmos.
Também se costuma fazer referência a Lc 24,44, onde Jesus ao aparecer aos
apóstolos e discípulos lhes disse: “(...) era necessário que se cumprisse tudo
o que de mim está escrito na Lei de Moisés, nos profetas e nos Salmos”.
Estes
argumentos são bastante frágeis, pois em todas as referências apresentadas,
Jesus está tentando demonstrar que Nele se cumprem todas as profecias
messiânicas. E onde estão estas profecias? Estão justamente nos livros de
Moisés, nos Profetas e nos Salmos. Desta forma, dentro do contexto em questão,
é bem mais certo que Jesus esteja referenciando esta triplica estrutura, porque
nela se encontram as profecias messiânicas, do que Ele esteja fazendo
referência a um cânon sagrado existente em seu tempo.
Há
também quem apresente como prova do suposto cânon, então confirmado pelo Cânon
de Jâmnia, os testemunhos históricos de Flávio Josefo e Áquila (o qual criou
uma nova versão grega das Escrituras hebraicas, que leva o seu nome).
O
testemunho de Áquila é reconhecidamente posterior ao Cânon de Jâmnia, e por
isso, também não pode ser aceito como prova; muito pelo contrário...
Por
outro lado, reproduziremos abaixo o texto de Josefo, conforme consta em sua
obra “Contra Apion”:
“38.
É, pois natural, ou melhor dizendo, necessário, que não exista entre nós uma
multiplicidade de livros em contradição entre si, senão somente vinte e dois
(17) que contém os registros de toda história e que com toda justiça são dignos
de confiança. 39. Deles, existem cinco de Moisés, os quais contêm as leis e a
tradição desde a criação do homem até a morte de Moisés. Compreende, mais ou
menos, um período de três mil anos. 40. Desde a morte de Moisés até Artaxerxes
(18), sucessor de Xerxes (19) como rei dos persas, aos profetas posteriores a
Moisés foram deixados os feitos do seu tempo em treze livros, os quatro
restantes contém hinos a Deus e conselhos morais aos homens. 41. Também desde
Artaxerxes [tempo do Profeta Esdras] até nossos dias cada acontecimento tem
sido registrado; embora estes não sejam dignos da mesma confiança dos
anteriores, porque não havia uma sucessão rigorosa de profetas. 42. Os feitos
provam com claridade como nós nos acercamos das nossas próprias escrituras:
havendo já transcorrido tanto tempo, ninguém se atreveu a adicionar, tirar ou
trocar nada nelas “ (JOSEFO, 2006, p. 21-22).
Não
é possível precisar se o testemunho de Josefo é anterior ou posterior ao Cânon
de Jâmnia, devido à incerteza entre as datas do Cânon e seu testemunho.
Costuma-se
dizer que “Contra Apion” foi terminada pelo ano 94; e o Cânon de Jâmnia,
normalmente é referido pelos especialistas como sendo do ano 90. Entretanto,
nenhuma destas datas é conclusiva; sabemos apenas que ambos são os últimos anos
do séc I d.C.
Com
efeito, não é possível precisar se o testemunho de Josefo é anterior ou não ao
Cânon de Jâmnia, devido à incerteza entre as datas do Cânon e seu testemunho.
Esta incerteza compromete por completo o testemunho de Josefo, pois não se sabe
com certeza se o mesmo foi influenciado ou não pelo Cânon de Jâmnia. Porém, há
indícios que sim.
Josefo
era fariseu e os rabinos de Jâmnia também, assim possivelmente ele esteja
simplesmente defendendo a posição de sua facção religiosa.
O
prólogo da tradução Grega do Eclesiástico (ou Sabedoria de Sirac), livro
escrito por volta de 130 a.C., portanto anterior ao testemunho de Josefo,
parece contradizê-lo. Nele lemos:
“Pela
Lei, pelos Profetas e por outros escritores que os sucederam, recebemos
inúmeros ensinamentos importantes (...) Foi assim que após entregar-se
particularmente ao estudo atento da Lei, dos Profetas e dos outros Escritos,
transmitidos por nossos antepassados [...]”.
Enquanto
o testemunho de Josefo procura restringir o Cânon Sagrado ao tempo de Esdras,
“porque [depois de Esdras] não houve uma sucessão precisa de profetas”, o Eclesiástico
parece ser mais amplo e fiel à História ao afirmar que “por outros escritores
que os sucederam [os profetas], recebemos inúmeros ensinamentos importantes”.
O
testemunho do Eclesiástico refere-se a livros posteriores ao tempo dos
Profetas.
Veja
o que estudioso protestante Leonard Rost tem a dizer sobre isso:
“Vê-se,
pelo prólogo de Sirac [Eclesiástico ou Sabedoria de Sirac], que, além dos
escritos assumidos no Cânon hebraico, traduziram-se também outros que parecem
ter gozado de bastente estima como obras religiosas de edificação, em círculos
mais ou menos amplos, até o final do século I d.C” (ROST, 1980, p.19).
Há
ainda em Josefo um trecho bem polêmico, vejamos:
“havendo
já transcorrido tanto tempo, ninguém se atreveu a adicionar, tirar ou trocar
nada nelas [nas Escrituras]”.
Alguns
entendem que neste trecho Josefo confirma que os livros escritos depois do
tempo de Esdras não estavam dispostos num mesmo volume com os livros que foram
escritos antes deste mesmo período (protocanônicos), pois isto configuraria um
acréscimo nos primeiros.
Ora,
ele está dizendo que nada foi alterado nos textos presentes nestes livros,
nenhuma sílaba a mais, nenhuma a menos. Josefo não está se referindo à adição
ou retirada de livros a um conjunto pré-estabelecido de outros livros.
A
tese do Cânon pré-existente apresenta sérios problemas. Primeiro, se este
suposto cânon correspondia ao Cânon de Jâmnia, por que era comumente usada a
Septuaginta com um catálogo bem maior, conforme é comprovado pelo testemunho do
NT e as descobertas do Mar Morto e Massada?
Segundo,
se este suposto cânon correspondesse aos livros da Septuaginta, logo não seria
permitida a definição de qualquer outro cânon bíblico; então por que foi
estabelecido o Cânon de Jâmnia?
Terceiro,
os judeus alexandrinos e etíopes recusaram o Cânon de Jâmnia e até hoje guardam
como sagrados os livros da Septuaginta. Se realmente este suposto cânon bíblico
existisse, não haveria disputas entre os judeus sobre este tema; todos
adotariam o mesmo conjunto de livros sagrados definidos pela Tradição Judaica.
Fílon
de Alexandria, historiador e filósofo judeu, viveu entre os anos de 20 a 50
d.C. Em sua obra “Exposições sobre a Lei”, onde faz comentários sobre a
doutrina da Torah (20), as referências ao Pentateuco são todas da Septuaginta,
que possuía os livros deuterocanônicos e as partes deuterocanônicas de Daniel e
Ester, não aceitas posteriormente pelos Judeus de Jâmnia.
Um
dos especialistas sobre a vida de Fílon de Alexandria, o Prof. Ritter, quanto
ao uso da Septuaginta pelo filósofo escreve:
“A
princípio o texto que ele [Fílon] comenta é o da tradução grega dos Setenta;
algumas diferenças que se assinalou com razão entre seu texto e aquele que
possuímos atualmente dos Setenta se explicam de uma maneira satisfatória não
pela leitura do texto hebraico, mas pelo fato de que nossa recensão é de origem
posterior à da que ele usava” (RITTER, 1979).
Antes
que alguém objete afirmando que a Tradição dos judeus palestinenses era
diferente da Tradição dos judeus alexandrinos, devo lembrá-los que ambos os
grupos manuseavam a versão grega da Septuaginta, portanto, possuíam a mesma
Tradição Judaica.
A
correspondência entre a Tradição Judaica Alexandrina e a Palestina é atestada
pelo estudioso Wolfson:
“O
judaísmo alexandrino, no tempo de Fílon, era do mesmo tronco do judaísmo
farisaico, que então prosperava na Palestina, ambos tendo brotado daquele
judaísmo macabeu [c. 165 a.C.] que fora moldado pelas atividades dos escribas”
(WOLFSON, 1982).
Ainda
segundo o estudioso Werner Jaeger:
“O
grego era falado nas synagogai (21) por todo o Mediterrâneo, como se torna
evidente pelo exemplo de Fílon de Alexandria, que não escreveu o seu grego
literário para um público de gentios, mas para os seus compatriotas judeus
altamente educados” (JAEGER, 1991).
Fílon
de Alexandria, falava grego como era costume em seu tempo e utilizava as
escrituras hebraicas através da Septuaginta. Isto era muito comum até entre os
judeus da Palestina. Josefo defende os judeus de Alexandria de diversas calúnias,
mostrando haver identidade entre eles e os judeus da palestina (JOSEFO, 2006,
p. 96-102).
Se
o cânon das Escrituras Hebraicas já estivesse fechado no tempo de Jesus, todos
os judeus hoje (palestinos ou alexandrinos) observariam o mesmo conjunto de livros
sagrados, e os fariseus de Jâmnia não precisariam se preocupar com isto no
final do séc. I d.C.
Interessante
é a constatação do estudioso Fedeli Pasquero:
“Na
realidade, seguramente os judeus alexandrino no séc. I d.C. reconheciam como
sagrados os livros deuterocanônicos [do AT]; não obstante a isso, eles estavam
em plena comunhão de fé com os judeus da Palestina, coisa que não teria sido
possível se houvesse divergências em relação aos livros sagrados. Com efeito,
os doutores hebreus faziam uso de pelo menos alguns dos livros deuterocanônicos
[do AT]; de modo especial, encontramos frequentemente citados Baruc, o Sirácida
[Sabedoria de Siarc ou Eclesiástico], Tobias” (PASQUERO, 1986).
Sobre
a possibilidade de um cânon de Escrituras hebraicas pré-definido, assim se
manifesta Rost:
“[...]
não havia um cânon oficial, ou, como diz a Mixná Yaddyim IV 6, não havia Ktby
qds’, Escrituras sagradas, como grupo fechado. Mesmo na época em que se fixou a
Mixná, por volta de 100 d.C., reinava ampla discussão entre os eruditos a
respeito de saber se o Cântico dos Cântico ou o Eclesiastes de Salomão
(Qohelet) faziam ou não parte do grupo, discussão esta que foi aplainada por
uma sentença arbitral em favor da inclusão destes livros entre os escritos
sagrados (Mixná Yadvim III 5 cd). As descobertas dos manuscritos do Mar Morto,
provenientes do período que vai de 150 antes de Cristo até 70 da era cristã, em
particular os que foram encontrados nas cavernas de Qumran, mostram-nos
claramente que naquela época ainda não havia uma distinção rigorosa entre
Escritura sagrada e menos sagrada [...] Mas o fato de um fragmento bastante
extenso do Sirac hebraico, copiado em escrita esticométrica, vale dizer,
executado com capricho e dispêndio de tempo, constituir um dos poucos restos de
manuscritos descobertos em Masada, é prova da estiva que este escrito
desfrutava no círculo dos zelotes, no correr do século I d.C” (ROST, 1980,
p.13-14).
Durante
a formação do Cânon Hebreu, alguns rabinos se opuseram também à inclusão do
livro de Ester, conforme atesta o Prof. Samuel Sandmel (22):
“O
livro de Ester, segundo os antigos rabinos, é o livro mais novo da Escritura.
Houve, entre estes rabinos, quem não quisesse que ele fosse incluído na
Escritura” (BIBLIA, 1974, Introduções Aos Livros Históricos, verb. Ester,
xxiii).
Ainda
conforme o Prof. Sandmel, a tradição rabínica quase excluiu do Cânon das
Escritura Hebraicas, o livro do Profeta Ezequiel:
“O
livro de Ezequiel foi julgado desapropriado para o cânon porque regulações dos
capítulos 40 – 48 parecem contradizer regulações similares do Pentateuco. Como
o sábio rabínico Hananias ben Ezequias foi capaz de resolver estas contradições
com uma apurada interpretação, o livro salvou-se de ser abandonado juntamente
com outros livros que não podiam circular publicamente” (Ibid.; Introduções Aos
Livros Proféticos, xliii).
Além
destes, também foram inicialmente contestados pelos rabinos, Jó (Ibid., xvii),
Provérbios, Cântico dos Cânticos e Eclesiastes (Ibid., xxxi), concordando assim
com o parecer de Rost.
Tudo
isto mostra que realmente houve em Jâmnia um acordo entre os fariseus sobre os
livros que deveriam ser considerados canônicos pelos judeus. Note o leitor que
alguns livros do AT considerados canônicos por todos os cristãos, quase ficaram
fora do Cânon Hebreu; livros estes que foram amplamente usados pelos antigos
judeus. E se tivessem sido excluídos do Cânon Hebreu, isto significaria que
jamais foram considerados canônicos antes? E os livros que os fariseus
rejeitaram [os deuterocanônicos], será mesmo que não eram canônicos?
Mas ainda resta a pergunta: por quê os
rabinos da palestina adotaram um Cânon Bíblico mais restrito que o conjunto de
livros da Septuaginta, se este era amplamente utilizado pelos judeus tanto
alexandrinos quanto palestinenses?
(16) Alguns
autores identificam a Escola Rabínica em Jâmnia como o antigo
Sinédrio (BERARDINO, 2002, verb. Jerusalém, p. 750). Entretanto há
controvérsias entre os especialistas, já que o Sinédrio era
predominantemente formado por Saduceus, que neste tempo foram desimados.
(17) Os judeus
organizavam suas Escrituras conforme o número de letras de seu alfabeto.
(18) Na tradução
original está Artajerjes (“j” no lugar do “x”), o que difere do uso comum
em outras traduções. Por motivo de unidade textual mantive conforme o uso
comum.
(19) Mesma razão da nota anterior.(20) É como os Judeus chamam a Lei de Moisés.
(21) Sinagogas, onde os judeus se reuniam para o estudo das Sagradas Escrituras.
(22) Prof. De Bíblia
e Literatura Helenística na Hebrew Union College, Cincinnati, Ohio – EUA.
Objetivos
protecionistas
Tudo indica que a definição do Cânon de
Jâmnia deveu-se a razões protecionistas. Goodnough afirma o seguinte:
“Judeus que tinham sido mais
helenizados tornaram-se cristãos, como dito, enquanto que o restante retornou
ao judaísmo normativo do qual se separaram, quando muito, apenas
superficialmente”(GOODENOUGH, 1988).
Fatos como a destruição do Templo de
Jerusalém em 70 d.C., a Septuaginta utilizada amplamente pelos Judeus (tanto na
Palestina como em Alexandria), poucos judeus com conhecimento do hebraico, o
grego comumente utilizado na vida religiosa dos judeus, o aparecimento das
primeiras escrituras cristãs, as conversões de judeus ao Cristianismo e etc;
todo este conjunto de eventos levou os judeus da Palestina a se protegerem da
extinção total de sua cultura e religião.
Como isso poderia ser feito, sem que
fosse necessário restaurar o hebraico na vida comum e religiosa dos judeus,
resgatar da identidade judaica e estabelecer políticas que impedissem o contato
com as Escrituras cristãs?
Não é no mínimo curioso que no final do
primeiro século da Era cristã, os
líderes judeus da Palestina, se reúnam para definir um conjunto de livros como
sagrados, onde todos estes foram escritos em hebraico e no território de
Israel? Não são estes critérios nacionalistas demais, já que o povo judeu viveu
tanto tempo em terra estrangeira, produzindo lá tantos escritos, escritos estes
que também constavam em uma versão bíblica comumente usada por todos os judeus,
inclusive na Palestina?
É claro que o restabelecimento do
hebraico na vida religiosa dos judeus não poderia se dar de uma hora para
outra, mas medidas de curto prazo foram tomadas para dificultar a pregação da
mensagem cristã junto aos judeus. Novas versões gregas das sagradas escrituras
judaicas foram produzidas, nas quais as mais conhecidas são as de Áquila,
Símaco e Teodocião.
O leitor lembra de Isaias 7,14, que
comentamos no capítulo anterior? Em todas estas versões, no referido versículo,
a palavra grega “parthenos” que
significa “virgem” , foi trocada por “neanis”,
que significa “jovem”. Por que esta alteração? Os cristãos usavam Is 7,14 para
provar que o Messias viria ao mundo através de um nascimento virginal, o que
atestaria sua origem divina; a alteração posterior feita pelos judeus
propiciaria as pessoas a entenderem isto de forma totalmente diferente.
Esta atitude dos judeus palestinenses por
causa do Evangelho é confirmada pelo conceituado estudioso judeu, o Prof. Aage
Bentzen:
“Contra
a Igreja [cristã] os judeus sustentavam que Isaías 7,14 não fala de uma
‘virgem’ (parthenos), mas de uma ‘mulher jovem’ (neanis). Os cristãos
respondiam acertadamente que a tradução parthenos provém de tradutores judeus” (BENTZEN,
1968).
Os judeus da palestina do séc. I d.C.
estabeleceram fundamentos que permanecem até hoje. Basta observar o protecionismo
vigente nas atuais comunidades judaicas. A própria palavra hebraica “almah”,
hoje é usada pelos judeus não com significado de “virgem”, mas como “jovem
moça” ou “senhorita”. As traduções de Is 7,14 oriundas das versões hebraicas
traduzem “almah” como “jovem” e não como “virgem”.
Pelo fato de nunca ter havido disputas
doutrinárias entre judeus alexandrinos e palestinos, antes do Cânon de Jâmnia,
a existência de testemunhos anteriores a Josefo (prólogo do Eclesiástico e
Fílon de Alexandria), que atestam o uso de um conjunto de livros canônicos mais
amplo do que àquele definido em Jâmnia (evidências estas corroborada tanto
pelas descobertas do Mar Morto e Massada quanto pelo NT), torna-se mais que
óbvio quão arbitrária foi a definição do Cânon de Jâmnia.
Ainda sob a estreita de Rost:
“Não dispomos de informações para dizer
quando esta versão grega deixou de ser usada na comunidade judaica, pois
faltam-nos testemunhos em tal sentido. Como quer que seja, por volta do ano 100
d,c., segundo o que se lê na Mixná, só os textos escritos em hebraico gozavam
normativamente do caráter sagrado e, por conseguinte, só eles podiam ser usados
no culto. É impossível saber quanto e de que modo esta norma se impôs. Seja
como for, a comunidade cristã de origem grega, utilizava a coletânea grega mais
extensa dos livros sagrados, tal como encontramos nos unciais(Manuscritos em
letras maiúsculas) mais antigos B e A, em vez da coletânea hebraica, fixada
através de medidas restritivas” (ROST, 1980, p.20-21).
Alguns cristãos dos primeiros séculos
viajavam para Palestina a fim de verificar qual era a lista dos livros sagrados
do AT. Seus testemunhos (Estes testemunhos são transcritos no capítulo 5.
Verificar Melitão de Sardes e Orígenes) nos mostram que o Cânon de Jâmnia não
foi aceito de imediato na Palestina.
Tudo isto é mera coincidência ou
estratégia deliberada?
Que
implicações o Cânon de Jâmnia trouxe à Igreja Cristã?
O leitor se lembra do testemunho de
Josefo a respeito das Escrituras Hebraicas? Neste momento quero chamar sua
atenção para dois pontos importantes deste testemunho.
Primeiramente vejamos o seguinte trecho:
“De
Artaxerxes à nossa época, todos os eventos foram anotados, mas não são considerados dignos de igual crédito ao restante porque não
houve uma sucessão precisa de profetas”
(grifos meus).
Os livros que foram escritos depois de
Artaxerxes (depois do tempo do Profeta Esdras), Josefo não os menciona como
livros contrários à Tradição Judaica, apenas diz que “não são considerados
dignos de igual crédito ao restante”. Para ele, este conjunto de livros possuía
uma certa dignidade, embora fosse em grau menor que os livros antes do tempo de
Esdras.
Note o leitor que a distinção que Josefo
faz destes livros em relação aos protocanônicos, não é doutrinária, mas
canônica. Ele não firma que os livros depois do tempo de Esdras não são
canônicos porque continham algo alheio á doutrina que Deus confiou aos judeus,
ele não associa esses livros a conteúdo herético.
Já que para ele depois do tempo de Esdras “não houve uma sucessão precisa de
profetas”,o mesmo entende que não há garantia de que os livros escritos depois
deste período, tenham sido escritos sob inspiração divina. Por isso afirma que
estes livros “não são considerados dignos de igual crédito ao restante porque
não houve uma sucessão precisa de profetas”.
Josefo não tinha plena certeza se a
Revelação de Deus havia cessado após o tempo de Esdras, mas nós cristãos
sabemos que não, ou não acreditamos hoje nos livros do NT e nem no Ministério
dos Apóstolos.
Alguém poderia objetar dizendo que o
testemunho de Josefo serve apenas para AT. O próprio Cristo afirmou que a Antiga
Aliança durou até o Ministério de João Batista (cf. Mt 11,13; Lc 16,16).
Enquanto Josefo encerra a Revelação do AT ao tempo do Profeta Esdras, o Nosso
Senhor afirma que durou até o tempo de João Batista. O Cristão deve ficar com
testemunho de Flávio Josefo ou do Senhor Jesus?
Portanto, as palavras de Jesus anulam o
critério de Josefo em determinar quando a Revelação da Antiga Aliança cessou.
Fica bem clara a possibilidade de haver livros canônicos, referentes ao AT,
posteriores ao tempo do Profeta Esdras.
Portanto visto que até meados do séc. I
d.C., o cânon das Escrituras Hebraicas ainda estava em aberto, a quem pertence
a Autoridade para definir tal lista? Aos Judeus que não eram Povo de Deus, ou à
Igreja Cristã, então herdada da Nova e Eterna Aliança?
Como os cristãos dos primeiros séculos
entendiam esta questão?
CAPÍTULO
5
Grande era o material literário
disponível para primeiros cristãos, no que respeita à manutenção da Fé. Pelo de
Jesus e os Apóstolos utilizarem aversão grega da Septuaginta, esta também
passou a ser de uso da nascente Igreja Apostólica (KELLY, 1978; SOCIDADE
BÍBLICA DO BRASIL, 2003, v).
No inicio do primeiro século já estavam
disponíveis as epístolas paulinas e outras cartas então chamadas “católicas” (É
como eram chamadas pelos cristãos primitivos as Epístolas de Pedro, João,
Judas, e Tiago). Como: as primeiras epístolas universais de Pedro e João. Na
segunda metade deste mesmo século, ficaram disponíveis os 4 Evangelhos, a
epístola universal de Tiago, as segundas epístolas de Pedro e João, a terceira
de João, a carta aos Hebreus e o livro do Apocalipse. Com a definição do Cãnon
de Jâmnia (no final do séc.I), levantou-se na Igreja nascente uma dúvida quanto
à canonicidade dos livros do AT que não encontravam correspondência em tal
cânon. Por conseqüência esta dúvida se
estendeu aos livros cristão que a eles faziam referência. O questionamento a
estes livros da literatura cristã, produzidos em período apostólico ( séc. I),
deu margem para que outros livros do mesmo período também fossem pelas razões
mais diversas. Esta motivação se deu principalmente pelo surgimento dos
primeiros grupos sectários, como os Judaizantes e gnósticos, onde estes últimos
produziam sua própria literatura.
A questão dos livros canônicos foi ainda
mais agravada pelo fato de que os Apóstolos não deixaram para a Igreja tal
definição; e na verdade nem poderiam tê-lo feito. (até porque eles não estavam preocupados em escrever mais sim e fazer o
mandado de Jesus: IDE E PREGAI O EVANGELHO. Mc 16,15. Eles escreveram por
iniciativa própria)
Em
At 12,1-19 lemos que Tiago (irmão de João) foi morto à espada por Herodes. Sua
morte se deu antes mesmo da conversão de Paulo, e são as epístolas paulinas as
escrituras mais antiga do NT. Portanto, Tiago nem sequer conheceu qualquer
escritura do NT. Paulo e Pedro morrem em Roma, sob o reinado de Nero,
aproximadamente em 45 d.C. Neste tempo não estavam disponíveis ainda nenhum dos
4 evangelhos. Os demais Apóstolos foram evangelizar nos lugares mais longínquos
da Terra (por exemplo, Mateus na Etiópia, Tomé na Índia, etc). Até o séc. III,
os cristãos das regiões bárbaras ignoraram a existência de qualquer um dos
livros do NT (IRENEU, 1995, p. 252-254).
Com a morte de todos os Apóstolos, já no
início do segundo século, seus discípulos assumem seu Ministério, confirmando
toda a Igreja na Doutrina Apostólica que receberam pessoalmente de seus
mentores. Neste período começaram a aparecer seus próprios escritos. Dentre
eles se destacam a Primeira Carta de Clemente aos Coríntios, as sete Cartas de
Inácio de Antioquia, as Cartas de Policarpo de Esmirna, as cartas de Pápias de
Hierápolis e etc. Muitas destas cartas eram recebidas como canônicas pelos
fiéis.
Como se vê, o conjunto de livros que
deveriam ser considerados canônicos, pela Igreja Cristã, ainda era uma grande
interrogação nos primeiros séculos.
A literatura oriunda dos grupos heréticos
começou a confundir os primeiros cristãos, porque estas lhes eram apresentadas
como escrituras oriundas dos Apóstolos (ex: o Evangelho de Tomé, o Evangelho de
Filipe, etc.); e aos poucos foram tomando lugar nos estudos catequéticos e nas
celebrações de culto.
É neste contexto, que a literatura cristã
pós-apostólica cresceu de forma exponencial, pois vários textos em defesa da
antiga Fé Apostólica foram produzidos contra os grupos heréticos. Nesta
disputa, um tema que não poderia faltar, é claro são os livros que deveriam ser
considerados canônicos.
Através dos escritos antigos que se
conservaram até nosso tempo, vejamos qual foi o testemunho dos primeiros
cristãos sobre o conjunto dos livros sagrados.